segunda-feira, 24 de março de 2014

O SUICIDA

Eu estava decidido a cometer suicídio, estava completamente convencido que minha vida não merecia mais ser vivida...

Claro que, antes de me convencer, eu tentei considerar os aspectos positivos da minha existência, busquei no fundo d’alma qualquer faísca capaz de reacender a vontade de viver, porém nada derrubava aquela ideia fixa de suicídio.

Foi na juventude, pouco após os meus quinze anos, quando decidi, definitivamente e sem espaço para dúvidas, que a razão da minha vida seria suicidar: eu precisava me matar! E deveria fazê-lo o quanto antes.

Fato era que minha morte não seria nem boa e nem ruim para o restante do mundo... É óbvio que eu não me importava com o resto do mundo, afinal eu pouco me importava comigo mesmo. 

Não estou escrevendo minha história em busca de redenção, não quero justificar minha vontade suicida, os motivos são meus e qualquer um que os julgue, estará limitando tudo ao seu próprio ponto de vista. Logo, resguardo-me o direito de apenas dissertar sobre essa vontade mórbida que me acompanhou até o fim da existência. Sinceramente, espero de coração, este que já não mais bate em meu peito, que essa mera explicação seja suficiente para que vocês, caros leitores, continuem acompanhando a história da minha morte, talvez a morte mais trágica de todos os tempos...

Confesso que apesar de ter tomado a decisão muito jovem, eu nunca soube exatamente como iria fazê-lo. Muitas vezes eu pensei em apelar para as formas clássicas como me jogar de prédios ou pontes, enforcar-me, cortar os pulsos ou asfixiar-me. Não me esqueço do dia em que descobri que os pulsos não devem ser cortados na vertical (como geralmente é mostrado em filmes) e sim na horizontal. Imaginem se eu tivesse cortado os pulsos antes de saber disso! Pôxa, eu poderia ter vivido como um suicida fracassado. E, meus caros leitores: nada é mais triste que viver como um suicida fracassado, absolutamente nada! 

Eu buscava a perfeição, pesquisava sobre as formas, imaginava suicídios tão exóticos quanto excêntricos e considerava os engajados, um gênero de suicídio politizado. Pensei diversas vezes em me matar durante um protesto contra alguma guerra, ou contra a postura de uma empresa multinacional, ou contra políticas econômicas elitista. Afinal, se minha vida foi em vão, minha morte não deveria ser... Entretanto, eu nunca decidi exatamente contra o que eu protestaria e nem consegui definir as circunstâncias para esse tipo de suicidio e ele nunca aconteceu.

E o tempo correu como louco. Talvez pensar em se matar seja o passatempo mais eficiente do planeta, mais até que, as redes sociais e os joguinhos da internet. 

Preciso salientar que a forma de suicídio mais sedutora foi a que nomeie como “suicido solidário”, algo pensado no auge da minha vida adulta. O plano consistia em morrer conservando a integridade de todos os órgãos do meu corpo para doá-los. Para tanto, eu deitaria em uma banheira cheia de gelo, cortaria os pulsos, na horizontal é claro, e com minhas últimas forças ligaria para a emergência. Ao chegarem eu já estaria morto e uma carta explicaria tudo! No entanto, eu não tentei esse nobre suicídio temendo não conseguir fazer a ligação para a emergência. Afinal, eu nunca tive coragem de contar sobre meu desejo suicida em vida. Era meu segredo mais íntimo e, exatamente por isso, era algo tão almejado... 

O tempo continuou vertiginosamente e logo carregou o peso de décadas e décadas como se fossem plumas. A verdade é que, durante toda minha vida, a morte foi a única dama com quem eu desejei me deitar, só o seu beijo frio interessava, e eu vivi tal paixão até ela se transformar em amor e o amor, por sua vez, expandiu-se a cada dia mais. Assim transcorreu minha existência: sempre desejando a mais misteriosa das damas, porém sem nunca saber como convidá-la para sair. 

A conclusão, estimados leitores, é que fiquei tanto tempo decidido a suicidar, sem saber como, que acabei morrendo de velhice aos 90 anos de idade, enquanto tirava um cochilo depois do almoço. Provavelmente as causas da morte foram naturais, não me interessei em ler o obituário. Sei que meu fim acabou definido sem minha intervenção e só agora, depois de finalmente morto, resolvi compartilhar o que entendo como a “morte mais trágica do mundo”. 

Moral da história: não importa o que seja, pode ser simplesmente querer morrer ou pode ser desejar viver intensamente, de nada adianta você saber o que quer fazer se não sabe como vai fazer. 

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Leonardo Miranda escritor e jornalista.
Página autoral: www.facebook.com/autorleonardomiranda

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